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Cyro Pereira, profissão Maestro.
ROGER MARZOCHI - Agência Estado
O Brasil perdeu na manhã de hoje (9/06/2011) o maestro Cyro Pereira, um dos últimos representantes da escola de maestros italianos, como Gabriel Migliori e Lyrio Panicalli. Cyro completaria 82 anos em agosto. Seu corpo será velado a partir das 19h de hoje no Salão dos Atos, no Memorial da América Latina, em São Paulo, e será cremado amanhã, às 11h, na Vila Alpina, em cerimônia restrita a amigos e familiares. "Graças a Deus ele nos deixou uma grande obra. Faremos o possível para divulgar todo o material que temos em casa", disse a filha Luciana de Souza Pereira.
Cyro foi um dos criadores da Jazz Sinfônica, onde também foi maestro. Trabalhou com Migliori em trilhas sonoras como a do filme "O Cangaceiro" (apesar de não aparecer nos créditos) e viveu intensamente a música na era do rádio e, depois, com o advento da televisão, em festivais. Na Record era quem comandava a orquestra durante os festivais que revelaram Caetano Veloso, Chico Buarque, Roberto Carlos e Jair Rodrigues. Também atuou no programa "O Fino da Bossa", com Elis Regina e Jair Rodrigues.
"Pessoas como ele praticamente não morrem. Elas simplesmente passam para um outro plano de vida, outras dimensões. E o que elas deixam aqui é muito maior, até maior do que quando estavam presentes. Agora a gente vai ter contato com coisas que ele fez que são maravilhosas. Essas pessoas são imortais", disse o amigo e também maestro Edmundo Villani Cortes, 80 anos, em entrevista por telefone.
Criatividade - Entre os músicos corre a história da incrível dedicação do maestro para compor. Como cresceu naquele ambiente em ebulição do rádio e da televisão, gostava de deixar os dois aparelhos ligados enquanto estava compondo em casa. Só comia quando a esposa insistia muito. Criava de forma compulsiva, sempre com um cigarro na mão, até em tempos modernos, quando uma placa informava: "Proibido Fumar".
Cyro deixou um único disco: "Cyro Pereira - 50 anos de música", de 1997, reeditado dez anos depois. O trompetista Nahor Gomes, da Jazz Sinfônica e da Banda Mantiqueira, participou da gravação do disco. Ele conviveu com o maestro por cerca de 20 anos. "Foi uma honra e um privilégio ter convivido com ele. Tive a oportunidade de conhecer muito de sua música... os arranjos, composições, de ter gravado a peça ''Rapsódia Latina'', que está nesse disco. Foi o único disco que ele gravou até por incentivo muito forte do Junior Galante e do Nelson Aires."
Segundo Gomes, Cyro fez arranjos belíssimos para a Jazz Sinfônica e imprimia sua identidade nos medleys (pout pourris), que deveriam ser eternizados em disco. "A Jazz Sinfônica deveria gravar um material de medleys que ele fez do Dorival Caymmi, do Jobim e de uma infinidade de compositores. Porque ele deixava a marca dele, com uma visão cinematográfica. A orquestra dobrava de tamanho com ele."
Sem play back - Cyro e Villani Cortes participaram da transição da música do rádio para a TV. Sem play back, era a orquestra que comandava as atrações, acompanhavam cantores, em transmissões ao vivo. "Os tempos eram muito diferentes. Porque a música estava em primeiro plano. Havia muita música ao vivo, muitas emissoras de rádio, antes da televisão, e todas tinham orquestras, com apresentações ao vivo, com cantores, apresentadores e maestros. Era um movimento de música muito grande, muito forte, muito vivo e presente."
A tradição continuou por um curto período na TV. Ele lembra que, quando entrou para a TV Tupi, havia seis copistas contratados só para copiar partituras, tirar as partes para os músicos. "Havia também na Tupi e na Record vários maestros, porque tudo era feito assim, no presente, não havia música eletrônica, nem play back. Não dava para o cantor dublar. Era para valer", lembra. "No tempo que trabalhei na Tupi, o Cyro trabalhava na Record, naquela tempo dos festivais da Elis Regina, Jair Rodrigues, Roberto Carlos e Chico Buarque de Holanda. Naquela música do Chico ''estava à toa na vida e meu amor me chamou...'', a música ''A Banda'', eu que estava no piano. Eu não era da Record, mas fui contratado para tocar no festival."
Villani Cortes lembra, por exemplo, quantos arranjos ficaram sem serem executados com o início da televisão apenas porque os músicos não podiam ser focalizados pela câmera, pois estavam num fosso, e o principal eram os artistas do palco, no alto. Hoje, nem o CD faz diferença, tudo é MP3 ou pode ser baixado da web. Mas ele acredita que, com a tecnologia, muito do que ficou de lado por causa da mesma tecnologia, pode ser agora resgatado.
Afinal, completa Villani Cortes, "existe algo no ser humano que é imutável, que supera tudo isso. É a alma. A alma do Cyro Pereira supera tudo isso, porque o que ele fez com o ser dele, com o eu dele, ninguém pode fazer igual. Nosso ser é coisa muita profunda e a significação dele ultrapassa essas coisas todas. Eu tenho certeza que o Cyro, os arranjos que ele escreveu para a Jazz Sinfônica, são joias que vão pendurar para sempre, vão crescer cada vez mais".